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domingo, 23 de maio de 2010

ALL I NEED - Radiohead



I'm the next act waiting in the wings
I'm an animal trapped in your hot car
I am all the days that you choose to ignore

You're all I need
You're all I need
I'm in the middle of your picture
Lying in the reeds

I am a moth who just wants to share your light
I'm just an insect trying to get out of the night
I only stick with you because there are no others

You are all I need
You are all I need
I'm in the middle of your picture
Lying in the reeds

S'all wrong
S'alright
S'all wrong
S'alright
S'alright
S'alright

A grande questão do TIP: Trabalho sexual: é sempre, obrigatoriamente, forçado?

Desde a década de ´70, as preocupações com o tráfico de mulheres e com a escravatura branca têm vindo a aumentar exponencialmente. Começaram a surgir, por volta dessa data, diversas organizações com o objectivo de lutar pelos direitos dos trabalhadores sexuais, por um lado, e acabar com os trabalhos sexuais, por outro.
No âmbito desta problemática existem, essencialmente, duas fortes posições: os activistas dos Direitos dos Trabalhadores Sexuais e os feministas. Ainda que as suas opiniões se cruzem nalguns pontos importantes, elas divergem com a introdução da noção de “consentimento” na definição do “tráfico de mulheres”.
Para o primeiro grupo, a definição de tráfico deveria conter a noção de “consentimento”, uma vez que, a seu ver, as mulheres são donas dos seus próprios corpos e, como tal, podem usá-lo como desejarem. Para eles, era urgente criar leis e tomar medidas para que as trabalhadoras sexuais tivessem os seus direitos e que fossem vistas como trabalhadores legítimos, ou seja, que o trabalho sexual fosse considerado um trabalho comum.
O segundo grupo, que é essencialmente liderado pela CATW (Colisão Contra o Tráfico de Mulheres), considera que todo o tipo de trabalho sexual é violência contra as mulheres.
A diferença essencial entre estas duas posições é a questão do consentimento. No entanto, ambas consagram a ideia de que trabalho sexual com crianças deve ser punido, pois estas não têm o total uso da razão e, assim, não podem consentir conscientemente.

A questão que se coloca, então, é: prostituição é sempre, obrigatoriamente, um acto de violência? As prostitutas podem ser, sempre, chamadas de vítimas? Ou, ao invés, devemos distinguir prostituição forçada de voluntária?
Estudos indicam que, a ideia de uma trabalhadora sexual que iniciou a sua carreira enganada, por inocência e ambição de uma vida melhor, é quase inexistente. Isto é, várias pesquisas mostraram que grande parte das prostitutas o fazem porque querem e não por terem sido forçadas a tal.



Baseado em: Now you see her, Now you don´t: Sex workers at the UN Trafficking Protocol Negotiation, Jo Doezema (2005)

TIP em Portugal

No que se refere às Estatísticas da Justiça, o crime de tráfico é estatisticamente tratado juntamente com o de lenocínio, pelo que é difícil perceber quais foram efectivamente os casos julgados e condenados por tráfico. Também, por parte do Ministério Público, não existe, uma recolha sistematizada e centralizada sobre este tipo de criminalidade.
Foram realizadas algumas investigações por parte de várias entidades, nomeadamente através Órgãos de Polícia Criminal (PJ, SEF, PSP e GNR) magistrados do Ministério Público (MP), juízes e dirigentes de Organizações Não Governamentais (ONGs) e de outras associações da sociedade civil que intervêm nesta matéria (associações de imigrantes e congregações religiosas). Foram também entrevistados informantes privilegiados (mulheres que trabalharam em casas de alterne, informantes da polícia e um recluso com ligações a grupos de crime organizado do Leste europeu). Posteriormente, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas e individuais com vários elementos dos órgãos de polícia criminal (OPCs), bem como análises das estatísticas oficiais do Ministério da Justiça sobre os processos judiciais relativos ao crime de tráfico e dos indicadores cedidos pelos OPCs.

No entanto, apesar de todos estes processos, não se conseguiu obter uma amostra representativa de todos os casos investigados e/ou julgados em Portugal por tráfico sexual. Não obstante, não deixam de se assumir como fontes fundamentais de conhecimento.
Contrariamente, outras áreas de violência contra as mulheres, como é o caso da violência doméstica, em que tribunais e polícias têm dados sistematizados, tal não acontece relativamente ao tráfico de mulheres para fins de exploração sexual.
A dificuldade na obtenção de dados oficiais sobre investigações pelo crime de tráfico de pessoas e contribuir para a sua uniformização, pode vir a ser colmatada através da criação de um Guia Único de Registo, criado pelo Projecto CAIM (Cooperação-Acção-Investigação-Mundivisão), concomitantemente com as Forças e Serviços de Segurança.


Nas estatísticas da DGPJ, o tráfico de pessoas aparece agregado com o lenocínio, pelo que não é possível conhecer quais os processos que se referem realmente ao tráfico de pessoas. Para além disso, apenas em 1999 foi criada uma categoria autónoma para o “Lenocínio e Tráfico de Menores”, pelo que até essa data estes crimes estavam, igualmente, agregados ao “Tráfico de Pessoas e Lenocínio”. Estes números devem, pois, ser lidos com a ressalva de que grande parte dos casos dirá respeito apenas ao crime de lenocínio e não de tráfico. Entre 1996 e 2004, existiu um total de 194 processos Lenocínio e Trafico de pessoas.

O distrito judicial com um maior número de processos com condenações pelo crime de “tráfico de pessoas e lenocínio” é o do Porto (com 35 processos), seguido de Coimbra (com 28) e Lisboa (com 18). Houve um total de 279 arguidos, dos quais 143 foram condenados, sendo que 109 condenados são do sexo masculino e 34 do sexo feminino com idades compreendidas entre os 21 e os 50 anos. Mais especificamente, 35 pessoas têm idades entre os 21 e os 30 anos; 54 pessoas, entre os 31 e os 40 anos; e 33 pessoas entre os 41 e os 50 anos de idade.


É curioso verificar que, dos 143 condenados, 104 não tinham antecedentes criminais. Dos restantes, 14 já tinham tido uma pena de multa, 10 já tinham sido condenados em prisão efectiva e 10 a pena de prisão suspensa. Também 98 pessoas foram condenadas por apenas um crime e 45 por mais de um crime. No que se refere à situação à data do julgamento por este tipo de crime, 97 das pessoas condenadas estava com uma medida de coação de termo de identidade e residência e 38 encontravam-se em prisão preventiva por este processo.



(baseado em: “Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual”, Centro de Estudos Sociais de Universidade de Coimbra)

sábado, 8 de maio de 2010

Na rota do Tráfico de Seres Humanos

A escravatura, prática social que conferia direitos de propriedade a um Ser Humano sobre outro, foi comum na Antiguidade em todo o mundo. Com as viagens marítimas de Portugal e Castela, o tráfico de escravos começou a realizar-se através de rotas intercontinentais. Hoje, a proeminência do tráfico de pessoas mostra-nos que a abolição da escravatura nos diversos países não veio pôr fim ao flagelo do tráfico humano, nem ao lugar que ele ocupa nas rotas económicas e migratórias da modernidade.
Como refere Richard Poulin (2005), a globalização neoliberal é o factor dominante no retrato da prostituição e do tráfico de mulheres e crianças. A figura seguinte dá uma panorâmica geral das desigualdades regionais globais no tráfico de seres humanos, bem como os países de destino e origem mais reportados.

Os países de destino são, geralmente:
(1) Nações Ocidentais influentes, com uma com uma taxa de feminização da pobreza e de desemprego nas mulheres pouco expressiva, com uma significativa representação política das mulheres e com um quadro jurídico-normativo não discriminatório (embora a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres não esteja plenamente concretizada);
(2) Países asiáticos influentes, com uma taxa de emprego feminina moderada e com alguma representação política das mulheres;
(3) Países influentes do Médio Oriente onde a percentagem de mulheres empregadas e em cargos políticos é reduzida.

Já os países de origem são, essencialmente, países pobres e em vias de desenvolvimento, com uma desigualdade de género significativa e com papéis tradicionais atribuídos às mulheres altamente estereotipados e países em transição política e económica, mas com uma história de emprego feminino.
Os países da Europa Central e de Leste que, embora atravessem um período de crise económica considerável, enviam as suas mulheres, bem como as dos países vizinhos, para regiões de destino, mas, também têm, eles próprios, um mercado local de prostituição bem sedimentado.
Para além das regiões de origem e de destino de vítimas de tráfico, cada vez mais há regiões de trânsito, que servem como locais de paragem das mulheres que estão em permanente deslocação ou onde são compradas, vendidas e levadas para um país de destino.



Os países de transição são, principalmente, países pobres, mas bem localizados geograficamente e com redes criminosas consolidadas, como a Albânia, a Turquia ou o Paquistão. A posição da Turquia, por exemplo, no tráfico de mulheres é amplamente beneficiada pela sua proximidade com a Europa Ocidental e pela sua adesão à União Europeia. Índia e o Paquistão estão bem localizados para canalizarem as mulheres dos países asiáticos pobres para a sua indústria do sexo local ou para os países do Golfo Pérsico. A tabela seguinte mostra, para além dos principais países de destino e origem, os locais de transição mais frequentes.


Das 131 rotas de tráfico internacional de mulheres, Portugal é eleito de entre os restantes, como país de destino. Lisboa é a porta de entrada para muitas brasileiras, uma vez que o sistema de controlo de imigração em Lisboa não impõe entraves aos brasileiros.



(baseado em: Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial: Um Fenómeno Transnacional, Pinto Leal & Pinto Leal, 2005)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Soldados da paz que favorecem crimes como o tráfico de pessoas!! Acreditam??

O artigo que exploramos para esta mensagem fala da prática de crimes como abuso sexual, prostituição, pedofilia e até tráfico de pessoas para exploração sexual por parte dos soldados de manutenção da paz da ONU em territórios de guerra. Estas práticas são muito mais frequentes do que podemos imaginar e estão relacionadas com a fragilidade das populações locais que perante um cenário de guerra trocam actos sexuais por “ um simples prato de comida” ou por quantias irrisórias. Ora, esta situação é antagónica se pensarmos que os soldados enviadas para a manutenção da paz, ao contrário de manter a paz restabelecida e a qualidade de vida daquelas populações, abusam e prolongando o mal-estar das populações locais. É difícil não sentirmos indignação.

No referido artigo apontam-se várias razões para o sucedido mas a percepção de impunidade parece ser a mais cabal das explicações. Ora esta impunidade deve-se, por um lado, ao facto de que o pais anfitrião não ter competência para punir os soldados ONU. Seria difícil dar competência aos países anfitriões para julgar, quando muitas vezes o estado de Direito ainda não esta a operar. Por outro lado, estes soldados estão protegidos pela Carta da ONU, e pelos privilégios e imunidades que imperam enquanto funcionários ao serviço da manutenção da paz. A impunidade só poderá ser levantada pelo Secretário-geral da ONU, contudo pressupõe a existência um crime hediondo e procedimentos burocráticos de investigação criminal que levantariam escândalos que não interessam de modo algum às Nações Unidas, e como tal, esta situação tende a permanecer impune.
O relatório elaborado pelo príncipe da Jordânia Zeid Ra`ad Hussein denominado Comprehensive Review, onde analisou exaustivamente estas situações em diferentes países, veio alertar para esta situação, e mostrar o quão preocupante pode ser, o favorecimento de prática de crimes como o abuso sexual em missões de paz. Realçou ainda que após suspeitas destas práticas é necessário tomar precauções para que os soldados não voltem a entrar em campo e integrar missões de manutenção de paz, e ainda, a necessidade de punir os criminosos a fim de evitar que estas situações se mantenham.
Nos E. U. A. após um escândalo semelhante passado no Congo, e este ter sido noticiado numa televisão americana a opinião pública ficou chocada. Para fazer face à situação, o Departamento de Defesa implantou a “política de tolerância zero” que combinou com uma campanha de educação expandida para as tropas (através de formações, ocupação de tempos livres, campanhas de sensibilização para esta temática, entre outros). Definiu, ainda, áreas geográficas de intervenção e áreas fora de limite, estas medidas entre outras ajudaram a que situações de claro abuso diminuíssem.

Ao mesmo tempo a Nato responde que esta politica é de certa forma exagerada pois há países onde a prostituição é legal e os soldados não deverão ser proibidos de recorrer a estes serviços, contudo, concorda com a necessidade de acabar com a exploração das populações locais e com o “auxílio “ a crimes tão hediondos como o tráfico de pessoas.

As Nações Unidas devem encontrar formas de manter a paz recém estabelecida sem abusar das populações locais e de pessoas vítimas de tráfico. Ao mesmo tempo os soldados suspeitos devem ser julgados, condenados e retirados das missões de paz da ONU. Esta organização deverá seguir o exemplo dos EUA e das recomendações da Nato.
(Baseado em: “ Peacekeepers and prostitutes: How Deployed forces fuel the demand for trafficked Women and New Hope for stopping it”, por Keith J. Allred)

Integração e Reintegração das Vítimas de TIP

Transversalmente a todos os apoios que fomos referindo, deve existir apoio médico, jurídico e psicológico. Focando-nos no apoio psicológico, a questão agora centra-se, portanto em quais as estratégias de intervenção?

Antes de responder a esta questão convém referir as consequências psicológicas evidentes no período da integração (quando a mulher se estabelece num país que não o de origem ou num local longe do seu local de proveniência mesmo que dentro do seu país, após o processo de tráfico) ou reintegração (quando a vítima regressa ao país de origem e/ou para junto dos seus familiares). A Perturbação Pós-Stress Traumático é comum nas vítimas como consequência dos actos brutais como a tortura e a violação. A maneira como a vítima se vai relacionar com os demais, e com a comunidade em geral (principalmente pessoas que ilustrem autoridade e familiares) pode ter mudado radicalmente e desembocado num sentimento total de desconfiança. Tal, ocorre pelas repetidas re-vivências e rememoração dos episódios traumatizantes:


“O meu corpo já não sente dor mas eu consigo sentir dor no meu coração como se tudo estivesse a acontecer agora. Eu ainda lembro o sentimento de sofrimento, e a figura de mim própria a ser violada por aqueles clientes.”


“Agora eu durmo com uma faca e com o telefone debaixo da almofada. Tenho medo que ele volte para cortar a minha garganta. Assim, poderei ligar à polícia.”


A capacidade da vítima para manter laços de intimidade pode estar alterada, uma vez que a última pessoa em quem confiaram, explorou-a. As estratégias de coping desenvolvidas ao longo do processo de TIP, que as ajudaram a antecipar e a evitar o perigo, a lidar com riscos eminentes e a tolerar as consequências negativas, que uma vez foram adaptativas, podem agora inibir a resiliência individual e o funcionamento normal. Por exemplo, muitas vítimas mostram comportamentos de agressividade e de hostilidade ou são aparentemente intolerantes. Estes sentimentos, que eram auto-protectivos, tornaram-se normalizados como resposta a um ambiente inseguro e ameaçador. Para as vítimas que permaneceram longos períodos de tempo com estas ameaças, pode ser difícil interagir com o mundo sem que essas ameaças existam. Logo, quando o inimigo não existe claramente, elas continuam a criar um, canalizando os seus sentimentos negativos para marido, familiares e filhos. Por conseguinte, algumas mulheres, perante uma adaptação negativa, regressam a prostituição ou aos serviços dos traficantes por este ser o ambiente onde as dinâmicas interpessoais são congruentes com as suas capacidades adaptativas e para onde a sua dinâmica mental está orientada. Um ambiente caracterizado pela ausência de julgamentos, pelos cuidados contínuos e a preocupação pelas necessidades emocionais da vítima é crucial para uma adaptação positiva. Os traumas anteriores estão continuamente a influenciar as suas percepções actuais sobre o seu papel como mãe, filha, esposa ou cidadã. Enquanto uma vítima de um único trauma sente que após o evento não é ela própria, uma pessoa que foi vítima de trauma crónico sente que o seu self mudou irreversivelmente, ou perdeu o senso completo do seu self.


A vivência do tráfico pode originar a ruptura sistemática dos laços familiares básicos e essenciais com a família, os amigos e os sistemas religiosos e culturais, assim como a destruição dos valores fundamentais em torno da existência humana. O medo de fazer novas relações é também muito comum. Tanto em cenários de integração ou reintegração as vítimas, muitas vezes, acabam por desembocar, voluntariamente, na prostituição ou em relações violentas. Tal acontece porque estas não conseguem ajuda efectiva e eficaz que precisam, e por não terem um ambiente envolvente que lhes prestem cuidados e suporte. Os familiares e a sociedade em geral vêem com “maus olhos” as vítimas, segregam-nas (por terem sido prostitutas), não compreendendo as situações pelas quais passaram.


Perante este cenário, a intervenção deve basear-se na compreensão da experiencia psicológica penosa sofrida pela vítima, com vista à recuperação de um funcionamento normal. Os elementos básicos de recuperação são:


Restabelecimento da segurança
Promoção do domínio do self – o traficante procurou tirar este domínio. Para fazer progressos neste domínio podemos procurar que a vítima tenha o maior controlo possível sobre o seu processo de recuperação.
Restabelecimento dos laços e vínculos com os demais – tentar dar a perceber às vítimas que existem outras pessoas na comunidade, como o terapeuta, que lhe podem dar amparo e relações seguras.
Restabelecer o significado e o sentido da própria existência, assim como dignidade pessoal e o respeito por si próprio.


(baseado em: “Manual para la lucha contra la trata de personas”, Nações Unidas, 2006
“The health risks and consequences of Trafficking in Women and Adolescents, Findings from a European Study”)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Curiosidades Penais Portuguesas

Sabias que o Código Penal Português de 2009 consagrou mudanças na parte especial, iniciando esta parte com os crimes contra as pessoas, e segundo o seu preâmbulo, esta parte do Código destina-se a uma sociedade plural, aberta e democrática.

Salientamos o facto que esta revisão do Código Penal veio estipular novos tipos legais de crime, adaptados às novas realidades e necessidades, há novos contornos e algumas novas molduras.
De seguida escolhemos algumas partes de artigos do Código Penal onde explicamos os crimes que estão previstos relacionados com o tráfico de pessoas e a exploração sexual de pessoas indefesas. Achamos que e é necessário dar-lhes publicidade, para que os possíveis criminosos não calculem que podem sair impunes da sua prática, e ao mesmo tempo que as vitimas saibam que têm a lei do seu lado.



O artigo 160ª do C.P. prevê que quem oferecer, entregar, aliciar, aceitar, transportar, alojar, ou acolher pessoas para fins de exploração sexual, de trabalho ou extracção de órgãos, esta a incorrer no Crime de tráfico de pessoas cuja pena aplicada será fixada entre 3 a 10 anos.



No nº 6 do artigo 160º está previsto que quem retiver, ocultar, danificar ou destruir documentos de identificação ou de viagem de pessoas vítima de trafico é punido com uma pena de prisão de pode ir ate 3 anos.



O crime de sequestro previsto no artigo 158º do C.P. prevê que quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa é punido com uma pena que pode ir desde uma pena de multa até 3 anos de prisão, e esta pode ser agravada até 10 anos de prisão.



O crime de escravidão está previsto no artigo 159ª do C. P. e prevê que quem reduzir outra pessoa ao estado ou á condição de escravo, ou alienar, ceder ou adquirir pessoa ou dela se apossar com a intenção de a manter na situação de escravatura incorre poderá ser condenada a uma pena fixada entre 5 a 15 anos de prisão.



O crime de rapto previsto no artigo 161º do C.P. prescreve que quem, por meio de violência, ameaça ou astúcia, raptar outra pessoa com a intenção de cometer crime com a liberdade e autodeterminação sexual da vítima, incorre numa pena entre 2 a 8 anos de prisão.


O crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência previsto no artigo 165º do C.P. prevê “ Quem praticar acto sexual (..) com pessoa inconsciente ou incapaz (..) de opor resistência, aproveitando-se do estado de incapacidade” pode ser punido com uma pena de 6 meses a 8 anos.



O artigo nº 169º prevê que incorre no crime de lenocínio quem profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, e na alínea d) acrescenta que quem o fizer aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vitima a pena é agravada para 1 a 8 anos.

Deficiências do Combate ao TIP na Europa

Nos anos recentes, tem existido uma grande difusão do fenómeno do TIP na sociedade ocidental. No entanto, na Europa, a nível governamental ainda existem falhas no combate ao processo de tráfico.


Quais as principais patologias dos governos nas técnicas contra o TIP?



Medidas Legais: apesar ser verdade que, na maior parte, dos países europeus foram adoptadas legislações (incluindo em Portugal), ainda existem algumas limitações: as orientações adoptadas não estão vinculadas e as legislações não são adequadas em alguns países. Um dado interessante, é que os países da Europa de Leste, ao contrário do que se podia pensar têm legislações mais adequadas do que os países da Europa Ocidental. Tal acontece uma vez que a adopção de novas leis criminais é um pré-requisito para ser membro da EU.

Prossecução dos processos de TIP: neste nível podemos considerar que as medidas estão relativamente avançadas. Porém, a justiça criminal e a aplicação da lei estão longe de ser perfeitas. Na maior parte dos países, continua e existir a prisão e deportação de pessoas vítimas de tráfico, penas brandas para os traficantes, a relutância dos militares em fazer o trabalho policial, burocracia e corrupção.

Protecção: a protecção da vítima encontra-se em processo de desenvolvimento. As principais deficiências passam pela curta duração dos programas anti-tráfico e pelos programas deficitários no que concerne à protecção das vítimas e das testemunhas.

Prevenção nos países de Origem: os países de origem aqui considerados são basicamente os países de leste. Nestes a prevenção é negligenciada: as campanhas de alerta para o fenómeno são reduzidas e incipientes e as experiências das vítimas não são divulgadas por receio de segregação social.

Prevenção nos Países de Destino: as políticas em relação à prostituição servem como entraves a identificação das vítimas, não existe medidas de policiamento eficaz, poucos entraves fronteiriços e baixas oportunidades de emprego.



Perante estas limitações é urgente implementar políticas inovadoras. Estas passam obrigatoriamente por um melhor balanço entre a protecção, a prossecução e a prevenção. Nos países de origem é fulcral diminuir a pobreza e a discriminação. Nos países de destino, é necessário o repensar das políticas de migração e auferir empregos a pessoas vítimas de tráfico, o que diminuiria o risco de re-tráfico e rejuvenesceria uma Europa Ocidental envelhecida. Estes também devem desenvolver estratégias para reduzir a procura de pessoas traficadas por via de campanhas e promovendo uma avaliação das pessoas vítimas de tráfico não estruturada por valores. Por último, é fundamental uma cooperação internacional, uma melhor orquestração dos governos, enquanto as redes criminosas são rápidas e flexíveis, o mesmo não se pode dizer das redes anti-tráfico governamentais. Ao invés de projectos de cariz nacional, implementar projectos de carácter transnacional.



No âmbito de um projecto transnacional eficaz no combate ao tráfico existem alguns elementos que seriam fundamentais coexistir para travar este fenómeno:



1. Um quadro jurídico global, em conformidade com normas internacionais (quadro este que não punisse apenas o tráfico humano, mas sim todos os crimes associados);

2. Aplicação de uma lei universal que respondesse eficazmente em casos de tráfico;

3. Rápida e correcta identificação de vítimas, juntamente com uma imediata protecção e apoio;

4. Sistemas e processos que permitam, em casos de tráfico, uma eficácia internacional na investigação e na cooperação judicial, uma vez o crime de tráfico é ele próprio frequentemente transnacional, em ambas as comissões e efeitos. É necessário garantir que a mobilidade internacional dos infractores seja reconhecida pelo Ministério Público, para que os mesmos não se refugiem noutros países.




(baseado em: Pathologies of Security Governance: Efforts Against Human trafficking in Europe, Friesendorf, 2007
Developing na effective criminal hustice response to human trafficking: Lessons from the front line, Gallagher & Holmes, 2008)

Vítimas de Tráfico: Como os Países de Destino lidam com elas

Apesar da relevância dada na mensagem anterior à identificação das vítimas, a maioria são tratadas como trabalhadoras ilegais quando são descobertas. Muitas não têm a oportunidade de dizer que foram traficadas, de aceder ao serviço jurídico, de reunir os seus haveres, de contactar com os pais e com as famílias, de expressar as suas necessidades físicas e mentais ou pedir cuidados médicos. Para estas mulheres, a deportação como imigrantes ilegais é o caminho mais comum. “ (Poucos países) se importam. Na questão da imigração são apenas números.” (Declaração de um Oficial da Justiça do Reino Unido). Para além disto, apenas numa minoria de casos é que existe coordenação entre as autoridades do país de acolhimento e o país de origem com vista à assistência das vítimas. Por tal, a viagem de regresso implica muita insegurança: a) muitas mulheres durante a viagem acabam por se encontrar com os exploradores; b) quando este acaso não ocorre, chegando ao país de chegada várias vítimas são re-traficadas; c) a saúde destas mulheres é posta em perigo pelo facto de no país de origem não terem dinheiro para pagar serviços de saúde; d) falta de protecção contra as represálias dos traficantes; e) em alguns países, como na Nigéria, o teste do HIV é forçado. As vítimas com HIV positivo são estigmatizadas o que dificulta a integração.

Como seria o processo ideal?


De acordo com a ONUDC (agência das Nações Unidas contra a droga e o crime) o ideal seria começar por conceder um período de reflexão seguido por uma permissão temporal ou permanente de residência (chamados de “Permissões de Residência por Razões Humanitárias”). Com este período concedido, cresce a confiança das vítimas no Estado e a capacidade dos mesmos conseguirem proteger os interesses destas. Assim, as vítimas teriam mais oportunidade de tomar decisões com conhecimento de causa e de colaborar com as autoridades para a investigação das redes de tráfico. Como muitas das vítimas se encontram em situação imigratória irregular, o período de reflexão garantia assistência e apoios como alojamento seguro, assistência médica, assistência psicológica, serviços sociais e apoio jurídico. Outras vítimas podem solicitar por asilo na condição de refugiado, quando se encontra nesse mesmo caso. Remete-se para o estatuto de refugiado uma pessoa que devido a medos fundamentados de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertença a determinado grupo social ou opiniões políticas se encontra fora do seu país de origem e que não pode ou não quer estar sob a protecção do seu país. Os serviços de assistência devem ser os encaminhadores das vítimas, nestes casos, uma vez que estas não sabem da maior parte dos seus direitos. Em países como a Bélgica e a Noruega as vítimas de TIP possuem um período de reflexão de 45 dias.


O passo seguinte passa pelos programas de alojamento, importantes para que as vítimas se sintam distantes dos traficantes e seguras. Quando é auferido a uma vítima uma permissão de residência é crucial proporcionar alojamento a estas. A falta de um albergue pode significar o regresso à exploração. Em relação às vítimas que não enfrentam a deportação ou repatriação, uma assistência especial, anterior à independência é pertinente. Na Itália, existe um programa especial de vítimas de tráfico que oferece cursos de idiomas e formação profissional a estas mulheres antes de lhes ser possibilitado uma vida independente. Existem dois modos de alojamento, em geral: a) os centros orientadores em que se realiza uma orientação inicial e avaliação das necessidades médicas e psicológicas, para a posteriori, remeter a vítima para centros especializados; b) albergues confidenciais que visa um refúgio sem riscos, com altos níveis de segurança mas que respeita o direito de privacidade e autonomia. Isto obviamente, seria o ideal. Para que tal se cumpra é vantajoso o uso de apartamentos descentralizados e flexíveis e secretos ao invés de um edifício central.


Outro aspecto para o qual a UNUDOC direcciona a sua atenção é para indemnização das vítimas. As vítimas do tráfico têm o direito à indemnização por parte dos traficantes. A indemnização é importante para as vítimas não só pela componente económica mas também pela componente simbólica, ou seja, o reconhecimento oficial de que fizeram algo de ilícito com elas e constitui o primeiro passo para superar o trauma. No entanto, a identificação dos criminosos nem sempre é possível. Nesses casos, os planos de indemnização podem recair sobre outros meios de financiamento público ou donativos particulares e de instituições, o que obviamente também é um processo difícil.


No caso das vítimas repatriadas, o processo de repatriação deve ser facilitado. Para tal, deve se procurar comprovar quem é a família da vítima e avalia-la. Esta avaliação serve para perceber se é correcto proceder à reunificação e preparar a vítima para tal. A avaliação é realizada através da recolha de dados sobre o motivo do processo de tráfico, a situação socioeconómica da família e a atitude dos pais perante a notícia de reunificação. A preparação da viagem deve ser acompanhada por funcionários estatais ou das ONGs, bem como a viagem em si.






(baseado em: “Manual para la lucha contra la trata de personas”, Nações Unidas, 2006
“The health risks and consequences of Trafficking in Women and Adolescents, Findings from a European Study”)



Identificação de uma vítima de TIP

Normalmente, as vítimas entram em contacto com a polícia através de ONGs ou através de acções policiais contra a imigração ilegal. Raramente, estas mulheres procuram as autoridades pelos motivos que já foram ditos. É muito importante identificar as vítimas de tráfico como tal e não tratá-las como imigrantes ilegais. Em acréscimo, a urgência em investigar os traficantes é tal que os Estados centram o seu interesse na informação que as vítimas podem proporcionar pela utilidade destas para o sistema penal. O perigo aqui inerente é que os estados podem tratar as vítimas como simples peões e não como pessoas que precisam, de forma urgente, de assistência e respeito. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA elaborou um formulário com perguntas-chave para averiguar se alguém foi vítima de TIP. Este é destinado a todos os profissionais de saúde que possam entrar em contacto com a vítima. Algumas recomendações são feitas: não se deve começar por perguntar directamente se a pessoa foi maltratada ou retida; o profissional deve estar sozinho com a vítima. Questões sugeridas:

• Pode deixar o seu emprego se desejar?
• Pode vir aqui sempre que quiser?
• Recebeu ameaças por tentar sair?
• Fizeram-lhe algum tipo de dano físico?
• Como são as suas condições de trabalho?
• Onde dorme e toma as refeições?
• Dorme numa cama ou no chão?
• Alguma vez foi privada de comida, dormida ou de algum serviço básico?
• Tem que pedir permissão a alguém para comer ou dormir?
• Há cadeados nas portas e janelas para que não possa sair?
• Alguém ameaçou a sua família?
• Alguém te obrigou a fazer algo que não queria fazer?
• Foram retirados os seus documentos ou papéis de identificação?


Deve se ter em conta se há indícios para uma possível síndrome de Estocolmo ou síndrome de Patty Hearst.


Neste sentido a OMS deixa algumas recomendações éticas específicas nas entrevistas com as vítimas de TIP.


1. Não causar prejuízo.
2. Conhecer bem o tema e avaliar os riscos relacionados com o TIP.
3. Não fazer promessas que não se podem cumprir. Dar informação sobre os serviços jurídicos, sanitários, de alojamento, apoio social e segurança do país em causa.
4. Seleccionar adequadamente intérpretes e colaboradores para a tradução do idioma, se for necessário.
5. Assegurar o anonimato e a confidencialidade.
6. Obter um consentimento bem informado, certificando que a entrevistada compreende claramente o objectivo da entrevista e a sua finalidade, a utilização prevista da informação, o seu direito de não responder às perguntas, o seu direito de poder terminar a entrevista a qualquer momento e o seu direito de estabelecer restrições no que diz respeito a posterior utilização da informação.
7. Escutar e respeitar a avaliação de cada entrevistada sobre a sua situação e os riscos de segurança que corre.
8. Não traumatizar de novo a entrevistada, ou seja, não fazer perguntas que possam provocar uma carga emocional elevada. Estar preparado para dar resposta a aflição da entrevistada e destacar as suas qualidades positivas.
9. Estar preparado para uma intervenção de emergência.
10. Aproveitar a informação obtida de maneira que favoreça a vítima de tráfico e que propicie medidas satisfatórias.



(baseado em: “Manual para la lucha contra la trata de personas”, Nações Unidas, 2006

Consequências Psicológicas nas Mulheres, durante o Processo de Tráfico

Os riscos e abusos pelos quais as mulheres traficadas passam são singulares. Existem várias diferenças entre as consequências de um evento traumático único (como uma violação, um acidente) e as consequências traumáticas numa vítima de tráfico, que neste caso está envolvido num trauma prolongado e repetido, podendo ser denominado também de “trauma crónico”. Quando os abusos físicos e psicológicos que estas vítimas sofrem ocorrem em combinação e repetidamente, estes resultam numa sintomatologia similar às observadas em vítimas de outros tipos de abuso e trauma, como violência doméstica ou tortura. Podemos esquematizar as consequências físicas e psicológicas associadas às mulheres traficadas tendo como base 5 diferentes fases no processo de tráfico. O esquema seguinte ilustra, sucintamente, cada uma dessas fases.


Relativamente a cada uma destas fases, é possível realizar diferentes tipos de prevenção de danos de saúde que irão ser discutidos ao longo da explicitação das diferentes consequências que cada fase acarreta para a saúde mental das mulheres traficadas. Nesta mensagem apenas nos iremos focar nas 3 primeiras fases no processo. As 2 restantes fases irão ser exploradas numa mensagem subsequente elucidativa sobre a identificação e intervenção em vítimas de tráfico.

A primeira fase, pre-departure stage, reflecte o período antes da vítima entrar no processo de tráfico em si mesmo. A avaliação da vulnerabilidade das mulheres antes do processo de tráfico decorrer é fulcral, pois reflecte a sua saúde mental sem as consequências per se do processo de tráfico. Esta avaliação ajuda a perceber o impacto do processo de tráfico na saúde mental, antecipando o comportamento da mulher no sentido de procurar cuidados durante o processo de tráfico e afectando os cuidados que vai tomar, bem como resiliência após a saída da situação de tráfico. Aspectos a ter em conta:


• A Prevenção Primária pode ser aplicada nesta fase, antes do início do problema. As intervenções devem incluir estratégias de promoção de saúde mental e sintomas associados, de saúde sexual, sintomas associados a infecções, saúde pública, incluindo prevenção do tráfico e direitos legais a nível de serviços de saúde noutros países.
• A história pessoal é um aspecto fundamental. Neste parâmetro, deve se avaliar os motivos que levaram a pessoa a ser persuadida por uma rede de tráfico, mas principalmente perceber se existe história de abuso sexual ou violência. A violência e o abuso podem não ser o motivo principal que leva as mulheres a procurar um diferente estilo de vida, mas pode afectar negativamente a sua saúde durante o processo de tráfico. Vejamos, mulheres com história de abuso sexual ou de violência antes do processo de tráfico são mais vulneráveis à doença mental e mais propensas a comportamentos de alto risco do que as mulheres traficadas sem história de abuso ou violência. Nadia Kojuharuova, uma psicoterapeuta com larga experiência em mulheres traficadas explica que, muitas mulheres, que sofreram violência antes do processo de tráfico “desenvolvem, normalmente, uma identidade de vítima. Tal faz com que estas mulheres se tornem mais vulneráveis aos traficantes que as manipulam e controlam, fazendo-as pensar que elas merecem o mau tratamento que têm e que não merecem ajuda. Em acréscimo, estas mulheres são mais vulneráveis porque nunca tiveram a experiência de comunicação sem violência, portanto, em certa medida, a violência é normalizada”. Estas mulheres estão mais propensas a desenvolver reacções psicológicas a eventos de stress extremo (ex: sexo forçado), como agressão, depressão e auto-mutilição.
• Outros factores devem ser analisados como os serviços de promoção de saúde no país de origem e as condições sócio-demográficas.


A segunda fase, travel and transit stage, começa quando a vítima concorda ou é forçada a viajar com o traficante. É importante salientar que o estudo que nos guiou apenas estudou mulheres que foram traficadas a nível transnacional. Esta fase acaba quando a mulher chega, portanto, ao destino de trabalho. Muitas são as vezes em que existem várias transições antes do ponto de chegada. Esta é a fase onde, normalmente, os crimes ligados ao TIP começam. Neste nível do processo, é relevante analisar os níveis de stress que acompanharam a partida de casa, bem como a resposta às primeiras ameaças, à violência e aos obstáculos decorrentes da passagem de fronteiras. A viagem, o estatuto ilegal, o medo das autoridades, a incapacidade para falar a língua do país de destino compõe as principais barreiras. Para a maior parte das mulheres, os pensamentos de sobrevivência são primários, ignorando uma possível fuga. A ter em conta:


• O chamado “trauma inicial” ocorre quando as mulheres se apercebem que estão em perigo de vida. Este é, normalmente, agudo e envolve sintomas de ansiedade extrema e pode inibir os processos ligados à memória bem como a rememoração. Este perigo é percepcionado, por exemplo, pela passagem de rios com elevadas correntes, de montanhas traiçoeiras ou zonas de guerra. Quando a mulher passa por este limite mental entre a relativa segurança do passado e o extremo perigo que corre agora, ela pode ter sintomas dissociativos como forma de negação e preparação para acontecimentos ameaçadores subsequentes. Para além disto, a forma como uma mulher processa o momento traumático pode impactar a sua habilidade para relembrar eventos ligados a este. Em resposta ao stress, a atenção selectiva é inibida. Assim, a vítima já não se concentra ou observa, simplesmente permanece hipervigilante a todo o tipo de estímulos com vista a reagir rapidamente a uma ameaça. Como consequência disto a capacidade para recordar detalhes está diminuída. Isto explica porque quando a polícia pede a estas mulheres que rememorem aspectos delineadores do seu processo de tráfico (locais por onde passaram, por exemplo), estas não conseguem relembrar.
Início da violência e do abuso sexual, com estratégias por parte dos traficantes como a “Breaking-in Violence” que levam as mulheres a optar pela obediência como o melhor e mais seguro caminho. Depois das mulheres passaram por condições de sobrevivência extrema e após serem forçadas a longas horas de trabalho, estas não conseguem considerar as suas opções ou contemplar estratégias de auto-defesa. A violência serve como forma de controlo. Com este cenário, a total dependência das mulheres está assegurada. Por tal, esta é a fase onde é mais difícil aplicar medidas de intervenção.


A terceira fase, destination stage, é o período em que o indivíduo é posto a trabalhar e explorado. Optamos aqui por fazer duas tabelas que, sucintamente, demonstra riscos físicos, sexuais, sociais entre outros uma vez que estes têm repercussões a nível da saúde mental, apesar de não terem necessariamente consequências directas. Colocamos também excertos de algumas mulheres vítimas de tráfico que fizeram parte da amostra do estudo pelo qual nos guiamos. Os riscos e as consequências psicológicas são aprofundados após a tabela. É nesta fase que se pode aplicar a Prevenção Secundária, para responder a sinais precoces do problema. Neste sentido, deve-se oferecer tratamento para potenciais problemas de saúde, assistência e informação que possam ajudar a evitar novos danos.


A coerção psicológica e o abuso são marcos usados para controlar as mulheres e as tornam dependentes dos traficantes. Este objectivo está alcançado quando a mulher já não consegue mais diferenciar o seu self pessoal e social da identidade construída através do processo de exploração. O seguinte excerto explica esta noção:

“Eu sentia-me terrível. Eu pensava constantemente no que é que eu estava a fazer, se era eu ou não. Eu não conseguia reconhecer-me naquilo que eu fazia”.

O abuso psicológico é extremo e destrói as defesas mentais e físicas. Todo o tipo de abuso assinalado na tabela conjuntamente com intimidações, ameaças (por exemplo, contra os familiares) levam a um controlo psicológico total. Os pensamentos suicidas são normais, de acordo com a amostra do estudo. Estes ocorrem na lógica destas mulheres se sentirem uma “propriedade”, do aprisionamento, controlo coercivo, submissão e alienação. Muitas não tentam suicídio pois pensam nos seus familiares e no regresso a casa.

“Eu sempre me sentia ansiosa e medrosa. Nada me interessava e eu sentia que queria morrer.”

A mentira, a decepção e o controlo emocional (no caso de serem exploradas e traficadas pelos familiares e namorado) são aspectos relevantes a ter em conta. A reacção à decepção, ou seja a reacção à descoberta de engano ou fraude por parte dos recrutadores. Muitas mulheres sentem-se culpadas e “estúpidas”, envergonham-se do seu “erro”. Como agravante, existem ainda as humilhações que sofrem por causa das violações em que participam. Este cenário proporciona um maior controlo aos traficantes que manipulam estes sentimentos, fazendo com que estas mulheres se sintam cúmplices da sua própria escravatura. Por outro lado, os sentimentos de decepção com os recrutadores fazem com que estas mulheres percam a confiança em si próprias e nos outros. Este processo de auto-culpabilização conjuntamente com sentimentos de descrédito nos outros leva a um caminho destrutivo e à falta de coragem para procurar ajuda. Como consequência, estas mulheres confiam e obedecem às direcções que a pessoa mais perto de si a persuade a tomar, do que propriamente nas suas decisões (na maior parte dos casos, o traficante). Assim, acreditam em muitas mentiras que os traficantes lhe dizem, com o agravante de não conhecerem a língua e quadro jurídico do país, na maior parte dos casos. O exemplo a seguir ilustra tal.

“Eu disse ao traficante que se ele me deixasse ir, eu iria ter com a polícia e que não contava nada acerca dele. Ele respondeu-me que se eu fosse a polícia eles iriam me colocar na prisão.”

Quando a decepção ocorre especificamente em relação a um familiar/namorado, ocorre uma dicotomia amor/abuso, onde a auto-percepção da mulher é negativamente readaptada, expressando devoção e dependência através da continuação de trabalho sexual exigido pelos proxenetas (namorados ou familiares, neste caso). Só mais tarde é que as mulheres começam a compreender a incongruência entre amor e exploração.

Por fim, convém sublinhar estas mulheres sentem-se num ambiente inseguro e imprevisível. A incerteza em relação ao futuro cria grande ansiedade que se manifesta por sintomas psicossomáticos (dores, insónia, pesadelos, fraqueza, diarreia, suores, desmaios), alterações comportamentais (isolamento, suspeição, irritabilidade, agressividade, impulsividade, tentativas suicidas, depressão, medo, fobias) e diminuição da capacidade cognitiva (confusão, desorientação, lacunas de memória, perda da concentração). Estes sintomas são mediados pela supressão imunológica devido ao stress crónico.

“Eu estava sempre cheia de medo que o meu proxeneta me batesse e abusa-se sexualmente de mim. Eu permanecia num contínuo estado de ansiedade e preocupação. Às vezes, não conseguia dormir, o que me causava dores de cabeça.”

(Retirado de: The health risks and consequences of Trafficking in Women and Adolescents, Findings from a European Study)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Videos de Sensibilização do TIP pela MTV Exit

Em seguida, encontram-se dois videos de divulgação do fenómeno do TIP. Pela criatividade dos videos e por retratarem muito bem estas realidade decidimos postar.




O TIP como um processo criminoso organizado

O TIP entende-se melhor se for percebido como um processo que engloba várias fases e vários delitos conectados do que se for percebido como um delito único e circunscrito a um acto apenas. É, portanto, um processo criminoso, e não um acto criminoso. Como vamos perceber, esta é uma das razões que bloqueia a eficácia das investigações policiais, bem como a condenação dos traficantes. Cada caso de tráfico tem aspectos particulares, tais como rotas particulares, pessoas distintas. Porém também detém aspectos comuns como as fases inerentes ao processo: o recrutamento, o transporte de pessoas, a exploração e o controlo das vítimas e, em alguns casos, dependendo da organização e sofisticação dos grupos, a lavagem de dinheiro proveniente da exploração. Estas fases, obviamente, fazem parte do lado criminoso, no entanto podemos perceber o fenómeno do tráfico por parte das vítimas e estruturá-lo de forma diferente. Tal iremos fazê-lo numa mensagem posterior.
Como já falamos, o TIP é um negócio extremamente rentável, com uma organização complexa, dinâmica, adaptável e difícil de combater. Como outras formas de crime organizado, muda constantemente de estratégias com o fim de burlar os esforços de prevenção dos organismos encarregados para cumprir a lei. Num certo sentido, pode dizer-se que é mais rentável do que o tráfico de drogas ou armas porque as mulheres, crianças e homens traficados podem ser vendidos e revendidos várias vezes. A seguinte frase de um traficante ilustra plenamente esta noção:


Podes comprar uma mulher por 10,000 dólares e podes ter o teu dinheiro de volta numa semana se ela for bonita e jovem. Depois, tudo o resto é lucro” (Malarek, 2004).


Por outro lado, os riscos que os traficantes de pessoas passam são mais baixos que os riscos que surgem no tráfico de armas ou drogas. Isto ocorre porque para além das mulheres, na maior parte das vezes, não conhecerem a cultura e língua do país onde se encontram, também estão sob formas de coerção e violência que diminuem o risco de qualquer tipo de denúncia. Em acréscimo, em muitos países, o quadro normativo-jurídico nesta matéria é muito vago ou inexistente, e mesmo quando a lei parece ser adequada os traficantes raramente são condenados ou, pelo menos, condenados com penas severas que levem a que o risco seja superior ao lucro que se pode obter. É por tal que grupos organizados ligados a outras áreas de crime organizados, bem como novos grupos, se associem ao TIP.
Não obstante, existem outros factores que facilitam o TIP, como por exemplo, a permeabilidade das fronteiras, os polícias, agentes dos serviços de fronteiras e outros agentes da lei corruptos (em vários casos, estes colaboram, tendo uma atitude passiva em relação ao fenómeno, alimentando o crescimento da indústria como clientes frequentes ou aceitando subornos para não denunciar certas situações, podendo estar ligados também de forma mais directa, sendo eles traficantes ou recrutadores). Por fim, o papel das redes organizadas é fulcral. Vejamos, o TIP pode ocorrer a cargo de uma serie de organizações pequenas com alguns vínculos entre si que captam as vítimas e as vendem entre as várias organizações, passando assim as vítimas de país para país. Desta forma, é possível explorar vários mercados com o propósito de alcançar o máximo de lucro possível, sendo que a sua estrutura descentralizada e flexível (diferentes das antigas máfias onde existiam hierarquias bem delimitadas) permite que os grupos surjam menos como concorrentes e mais como colaboradores, criando grandes redes com várias subunidades especializadas numa determinada função, seja o recrutamento, seja o smuggling ou a exploração sexual. A absorção de várias especializações numa só rede permite uma enorme adaptação a novos mercados e, por isso mesmo, os grandes grupos estão a deixar progressivamente de estar organizados hierarquicamente, tendo ao invés uma estrutura mais horizontal. Contudo, na análise de um grupo organizado de traficantes podemos encontrar grupos hierarquicamente organizados. Detemos, portanto, duas tipologias: a standard hierarchy e o core group (acima referido, sendo mais comum). O primeiro é uma forma de organização privilegiada dos grupos que estejam envolvidos, normalmente, em várias actividades criminosas: são estruturalmente organizados e com fortes linhas internas de controlo e disciplina. Alguns possuem liderança singular e uma forte identidade étnica. O segundo grupo tem como actividade única o TIP. Estes raramente têm uma identidade social ou étnica, orientando-se, basicamente, para o lucro e oportunidades de mercado. Esta segunda categoria pode ser extremamente violenta e mantém contacto com outros grupos criminosos.

Como ocorre o recrutamento de pessoas? Independentemente da estrutura do grupo, o TIP passa por algumas fases, dadas como universais. Começa, portanto, pelo recrutamento de pessoas para fins de exploração. Como vimos anteriormente os recrutadores podem ser pessoas conhecidas pelas vítimas, sem qualquer registo criminal – familiares, namorados, amigos ou vizinhos - ou pessoas que pela sua posição na sociedade transparecem segurança e legitimidade – polícia, militares, agentes de viagens, entre outros. Em outros casos, obviamente, podem ser indivíduos que fazem parte da rede criminosa e que são desconhecidos para o sujeito. No entanto, isto ocorre, de forma geral, em casos de rapto. Alguns estudos apontam que o rapto encontra-se em expansão, como método de recrutamento, principalmente em países como a Moldávia, a Roménia e Bulgária. Nestes países, muitos pais proíbem as suas filhas de irem à escola como forma de protecção. Por outro lado, temos as agências de emprego e viagens que levam as mulheres a acreditar que vão trabalhar como modelos, dançarinas ou empregadas. No caso dos homens, o que acontece é que estes pensam ir trabalhar em empregos cujos salários são elevados e as horas de trabalho reduzidas. Porém, esta modalidade de recrutamento é altamente disseminada. O que é importante nesta fase é a credibilidade para que o recrutamento seja efectivo, sem que aparentemente, apesar de o ser, exiba a fraude e o engano. Um estudo realizado no Brasil, mostra que há uma tendência para os recrutadores serem do sexo feminino e com uma idade avançada, mais uma vez com o objectivo de transmitir credibilidade e segurança, num registo de alguém mais experiente que aconselha mulheres a aceitar ofertas. Por outro lado, ao contrário do que se poderia pensar à partida, estão, muitas vezes, em causa recrutadores com nível médio ou superior de educação. O recrutamento é cada vez mais uma das fases que os traficantes e associados tendem a sofisticar para que este seja efectivo. As promessas de casamento são cada vez mais usuais. Por exemplo, como constatamos no documentário conduzido por Angelina Jolie, “Tatjana” uma das “personagens” foi recrutada por um “lover-boy”, homens que namoram com mulheres durante um considerável período de tempo, ganhando a sua confiança e a da sua família e, com a promessa de casamento, convencem-nas a emigrar. Este caso demonstra a sofisticação dos meios de recrutamento. Este método continuará a ser comum pelo seu alto nível de fiabilidade e para combater a divulgação preventiva do tráfico humano por parte das agências governamentais e ONGs que alertam para os crescentes riscos das agências de emprego e viagens. Outro meio para o recrutamento, em expansão, é a procura de jovens mulheres em orfanatos. A criatividade inerente às formas de recrutamento, bem como o facto de estarem ligadas a este processo vários tipos de pessoas que não a rede directamente, torna as iniciativas preventivas e o trabalho da polícia mais difícil e menos preventivo. No fundo, é possível dizer-se que qualquer pessoa que conheça alguém ligado ao tráfico pode tornar-se um recrutador. Basta ter uma história para persuadir, ou o poder para forçar a pessoa recrutada a ir com ela ou ter dinheiro para pagar a uma família que está disposta a vender os filhos/as.


Como ocorre o transporte das vítimas? Em seguida, surge a fase do transporte que basicamente é a condução das mulheres para o primeiro local onde vão ser exploradas. Tal como no recrutamento, esta fase denota grande criatividade dos traficantes, existindo a possibilidade de recorrer a meios legais. É possível que a viagem até o outro país, no caso de a viagem ser transnacional, seja realizada de forma legal através de vistos de turistas, estudantes ou trabalho temporário. Por exemplo, muitas mulheres entram nos países como noivas de encomenda (Mail-Order Brides), mulheres que intencionam casar com alguém de outro país, normalmente financeiramente mais desenvolvido. Por outro lado, há países europeus que proporcionam vistos para as pessoas trabalharem na indústria do sexo. Quando as manobras legais não estão disponíveis, recorre-se ao smuggling.


Como se mantêm as vítimas sobre controlo? Aqui temos a fase denominada de distribuição, exploração e formas de controlo. Assim, após o transporte as pessoas são colocadas nos locais onde vão ser alvo de exploração. Já conhecemos algumas das formas de coação exercidas pelos traficantes como servidão por dívida, ameaças, chantagem e violência. As três primeiras são formas de controlo mais artesanais. Qualquer uma das formas de coação utilizadas são independentes do grupo criminoso, sendo que apenas se consta que os Grupos da Europa Central e de Leste são catalogados como mais violentos, existindo mesmo casos de assassinatos. De forma geral, no caso das mulheres traficadas para fins de exploração sexual, passam pelo que se chama “Breaking-in Violence”, uma violência inicial, com constantes violações e espancamentos de modo que a pessoa se submeta a tudo que é ordenado. Outras mulheres são, ainda, alvo de violência rotineira para manter a mesma obediência, como um castigo ou, meramente, para satisfazer o traficante ou proxeneta. Normalmente, esta violência é exercida junto do grupo total de mulheres traficadas para que as outras receiem que algo lhes possa acontecer. Outras formas de controlo são a restrição da liberdade (as vítimas estão confinadas a um espaço específico e só saem acompanhadas), rotatividade dos locais de prostituição (impedindo o estabelecimento de contactos ou potenciais relações de amizade), administração de drogas (tornando as vítimas toxicodependentes, os traficantes conseguem que as vítimas se tornem mais dependentes destes), a ameaça de deportação, ameaça de colocação de tatuagens no corpo da vítima como título de dívida e ameaças de feitiçaria (principalmente às mulheres africanas). Durante o tempo que são exploradas por proxenetas, as mulheres são obrigadas a fazer todas as práticas sexuais desejadas pelos homens que atendem, a não usar preservativo, a ter relações sexuais quando menstruadas e grávidas e a fazer abortos sem anestesia. Em média, estima-se que tenham de atender cerca de 20/30 homens por dia, ainda que estejam doentes.


Os clientes devem ser penalizados judicialmente por pagar por mulheres traficadas? Os clientes e a elevada procura são assuntos determinantes. Pessoas de todos os géneros pagam por serviços sexuais e laborais, por uma variedade de motivos. No entanto, o debate não é consensual sobre se a procura determina a oferta do tráfico ou vice-versa. De um lado surge a perspectiva de que os clientes do sexo não são os clientes das mulheres traficadas; por outro lado, posicionam-se as opiniões de que sem procura não há oferta e que o tráfico só é rentável pela expansão do mercado do sexo. De acordo com esta perspectiva, o combate deve passar pela penalização dos clientes, como ocorre em países como a Suécia. Outros factores, mais qualitativos devem se ter em conta nesta discussão, mais do que propriamente o número de clientes: o preço dos serviços é um exemplo. Os clientes procuram serviços sexuais por preços reduzidos. Ora, as mulheres traficadas que estão submetidas a medidas de coação são as vítimas “perfeitas” no que concerne à prostituição a preços reduzidos. Desta forma, e conjuntamente com o facto de estas mulheres serem obrigadas a serem mais permissivas e não usarem preservativo, faz com que os clientes sejam direccionados para mulheres traficadas do que para prostitutas voluntárias. Assim, podemos perceber que apesar de a procura ser determinante, a estrutura do mercado sexual das mulheres traficadas também tem aspectos que determinam o porquê da elevada procura.


Porque é tão difícil combater o TIP? Este aspecto recai sobre a diversidade de crimes cometidos ao longo do processo e sobre as dificuldades no combate ao TIP. Não é só o crime de tráfico que está em jogo quando falamos no processo de recrutamento, transporte, exploração e controlo das vítimas. Cometem-se muitos outros crimes para assegurar a submissão das vítimas, para o controlo das mesmas, para protecção das operações envolvidas no processo e para obter o máximo de lucros e benefícios. Estes actos podem invocar-se para combater o TIP nos países em que este crime ainda não é bem definido ou em países onde as penas não reflectem a gravidade do delito ou ainda em casos em que não há provas suficientes para aplicar a pena relativa ao tráfico de pessoas. A seguinte tabela mostra os crimes conexos que podem ser úteis na delimitação e penalização de um caso de tráfico humano.


Mesmo tendo em conta estes diversos crimes, a investigação e aplicação da lei torna-se difícil. Porquê? É muito difícil identificar um traficante, mais ainda condená-lo devido a necessidade frequente da sua condenação depender de provas obtidas no estrangeiro, a possibilidade das vítimas puderem sofrer represálias, o facto de os próprios membros da polícia serem corruptos, a necessidade de tradutores e intérpretes e a penalização da prostituição em alguns países (em Portugal, é legal).



(baseado em: “Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual”, Centro de Estudos Sociais de Universidade de Coimbra
“Manual para la lucha contra la trata de personas”, Nações Unidas, 2006)

terça-feira, 4 de maio de 2010

"MTV Exit - Lucy Liu"

Como referido no post anterior relativo ao documentário apresentado por Angelina Jolie, vamos postar mais um documentário organizado pelo projecto MTV Exit. Este documentário é conduzido por Lucy Liu e sublinha o tráfico na Ásia. Brevemente, iremos colocar mais um documentário realizado também no âmbito deste projecto.
























sábado, 1 de maio de 2010

OTSH e MAI: I Plano Contra o Tráfico de Seres Humanos em Portugal

O que está a ser feito em Portugal contra o TIP? O que o OTSH?

Em Novembro de 2008 foi criado o Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) por Decreto-Lei nº 229/2008, de 27 de Novembro, com vista a responder a uma das medidas do I Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos (2007-2010), «Conhecer e disseminar a informação» e de modo a dar continuidade ao sistema de monitorização criado no âmbito do Projecto CAIM.

O OTSH encontra-se na dependência do membro do Governo responsável pela área da Administração Interna, exerce as suas atribuições em articulação com o Coordenador do I Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos, tendo por missão produzir e difundir informação e conhecimento sobre o fenómeno do tráfico de pessoas e a outras formas de violência de género.

O OTSH tem por missão a produção, recolha, tratamento e difusão de informação e de conhecimento respeitante ao fenómeno do tráfico de pessoas e a outras formas de violência de género. São suas as seguintes atribuições: a) Produzir e recolher informação respeitante ao fenómeno ao tráfico de pessoas e a outras formas de violência de género; b) Promover o desenvolvimento de aplicações informáticas que sirvam de suporte da recolha e do tratamento da informação; c) Apoiar a decisão política nas suas áreas de intervenção, quando solicitado.


I Plano Contra o Tráfico de Seres Humanos


O tráfico de seres humanos é, hoje em dia, uma realidade com um impacto económico comparável com o tráfico de armas e de droga. A adopção do Iº Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos em Portugal, apresenta-se como instrumento indispensável na partilha de responsabilidades entre as diversas entidades governamentais e a sociedade civil, numa abordagem holística que permita congregar e acomodar todas estas diferentes estratégias e dimensões de uma forma coordenada e eficaz. A adopção deste Plano, que terá a duração de 3 anos (a decorrer, 2007 - 2010), encontra-se estruturada em quatro grandes áreas estratégicas de intervenção que se complementam com as respectivas áreas operacionais.
Entre outras medidas, já estão em curso a Criação de um fórum de trabalho, com uma periodicidade anual, entre as entidades governamentais, as ONG’s com trabalho desenvolvido na área do tráfico de seres humanos e forças e serviços de segurança por forma a permitir a partilha de conhecimento actualizado e definir estratégias on going, que acompanhem as mutações da problemática do tráfico de seres humanos, assim como a realização de uma sondagem a nível nacional que verifique as percepções da população acerca da problemática do tráfico de seres humanos por forma a desmistificar / esclarecer a população de forma mais directiva. Na área da prevenção prevê-se a elaboração de materiais informativos, em diferentes suportes, sobre legislação referente à imigração, a serem distribuídos nas embaixadas e consulados Portugueses bem como a criação de equipas de mediadores/as culturais para participar na divulgação de informação a imigrantes a residirem em Portugal acerca da problemática do tráfico, no trabalho de apoio, bem como no trabalho de consultoria às instituições que trabalham directa ou indirectamente com vítimas de tráfico. No domínio da sensibilização o apoio a realização de filmes de ficção ou documentários que se centrem na problemática do tráfico de seres humanos, e que sejam produzidos e realizados com aconselhamento de peritos nesta matéria, assim como incentivar o espírito criativo dos/as alunos/as via a realização de trabalhos escolares sobre os direitos humanos, direitos das crianças e tráfico de seres humanos através dos órgãos directivos dos estabelecimentos de ensino, são outras das várias medidas.
Na área da protecção, apoio e integração das vítimas, estão previstas medidas como: A previsão legal de criação de uma Comissão de Avaliação, a qual promoverá a avaliação e identificação das pessoas que são efectivamente vítimas de tráfico durante o período de acolhimento de emergência; Garantir todos os meios de protecção às potenciais testemunhas e seus/as familiares, através da aplicação da Lei n.º 93/99 de 14 de Julho – aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal - através da implementação de programas especiais de segurança; Previsão Legal de concessão de uma autorização de residência temporária com a duração de um ano a vítimas de tráfico; Divulgação às pessoas traficadas de informações sobre os direitos que têm assegurados em termos legais e sobre quais os procedimentos disponíveis para pedir indemnização pelo facto de ter sido vítima de tráfico; Favorecer a integração das vítimas a nível social e no mercado de trabalho, através do acesso a programas oficiais existentes, a cursos destinados a melhorar as suas aptidões profissionais e a possíveis incentivos ao nível das empresas, de um regime de majoração, na celebração de vínculos jurídicos com as vítimas de tráfico, com vista à sua integração laboral.
No domínio da investigação criminal e da repressão, entre outras medidas implementadas, salientamos a implementação de um guia de registo uniformizado a ser aplicado pelas forças e serviços de segurança para as situações do tráfico de seres humanos, a incrementação do número de fiscalizações a actividades laborais mais susceptíveis de albergarem focos de criminalidade organizada relacionada com tráfico de seres humanos, assim como uma revisão compreensiva do tipo penal do tráfico de pessoas e extensão da responsabilidade penal às pessoas colectivas neste âmbito.
Este Plano apresentado, abrange toda uma série de situações de exploração, não se circunscrevendo unicamente às questões da exploração sexual. Tal opção encontra-se alicerçada nos diversos instrumentos e fora internacionais que, ao abordarem a temática do tráfico de seres humanos, têm vindo a incluir não só as situações de exploração sexual, bem como as de natureza laboral. Também as situações de tráfico de crianças para exploração sexual e laboral são objecto de especiais áreas de assistência e protecção. Segundo estimativas da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), as crianças representam mais de 30% do tráfico de seres humanos no mundo, estimando-se que 1,2 milhões são vendidas anualmente para mão-de-obra na agricultura, minas ou para exploração sexual. Nesse sentido, este Plano contempla áreas específicas para as crianças e menores atendendo a que estes/as se encontram em situações de especial vulnerabilidade.

O que é o Tráfico Humano?

O tráfico humano (TIP, Trafficking in Persons) é definido como o processo de recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso de força ou outras formas de coacção, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade, bem como abuso de uma posição de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. O termo exploração deve incluir, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de abuso sexual, trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravidão, servidão ou remoção de órgãos. (Nações Unidas, Human Trafficking Protocol, artigo 3, 2000).
Este protocolo ainda refere:
a)O consentimento da vítima de tráfico para a exploração é irrelevante quando algum dos meios acima referidos foi usado.
b)O recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou recepção de uma criança é considerado tráfico humano mesmo se os meios acima referidos não foram usados.
c)Criança remete para qualquer pessoa com menos de 18 anos.

Tráfico de Seres Humanos não é auxílio à imigração ilegal (smuggling): ambos são fenómenos de migração irregular com vista à obtenção de lucro e, frequentemente, quer os imigrantes, quer as pessoas traficadas saem do país voluntariamente com vista à obtenção de lucro e estão sujeitos a condição de perigo e desconforto durante a viagem. No entanto, o smuggling refere-se à situação em que a pessoa paga a outra para lhe facilitar a passagem de fronteiras através de meios e processos ilegais. Não raras vezes, os smugglers conseguem obter ilegalmente documentos (através da falsificação, suborno de agentes de imigração, entre outros) que permitam a entrada legal no país. Embora, o tráfico humano numa fase inicial possa implicar o auxílio à imigração ilegal há diversos factores que o distinguem: a) no tráfico humano existe a exploração de outro, podendo existir neste engano ou coerção; b) o smuggler paga ao início os serviços que pretende enquanto quem é traficado paga apenas uma pequena percentagem, pagando o resto à chegada (cria-se, portanto, uma relação de interdependência entre o traficante e a pessoa traficada); c) as pessoas traficadas podem ser cooptadas para outras actividades criminosas; d) o smuggling tem sempre um carácter transnacional, o tráfico humano nem sempre uma vez que este ocorre independentemente se as vítimas são ou não levadas para outro país. Logo, à partida, o tráfico humano não pode ser considerado apenas um problema de imigração ilegal; deve, sim, ser encarado como uma grave violação dos direitos humanos e não meramente como uma violação do controlo de fronteiras. Porém, a pessoa pode recorrer a um smuggler para sair do país e depois involuntariamente ser explorada por um traficante.


A questão do consentimento: tendo em conta que existem pessoas que saem do país de forma voluntária e que só, posteriormente, são exploradas, existe uma questão pertinente a levantar: será que neste caso estamos perante tráfico humano? Vejamos, é dado consentimento para a imigração ilegal, mas não para a situação de exploração que daí decorre. Retirando as situações de rapto, na maior parte dos casos, as mulheres são agentes activos que tomam a decisão de sair dos seus países com escolhas racionais, mais ou menos informadas, feitas para atingir objectivos. Assim, verifica-se que na delimitação do conceito de tráfico, em especial de tráfico de mulheres, passa sobretudo por uma construção social do que é ser vítima. Uma mulher que decide ir para outro país, com ajuda de um smuggler, e que consente trabalhar na prostituição com intuito de obter lucro elevado, mas que depois se vê envolvida numa situação em que não lhe é permitido reter a totalidade dos rendimentos, em que é obrigada a atender um número de clientes por dia elevado e a pagar o retorno do passaporte, é vítima de tráfico? Nestes casos, quando utilizado meios de persuasão baseados em falsas promessas, ou quando as mulheres não sabem que vão trabalhar como prostitutas, em outros casos, quando sabem que irão trabalhar como prostitutas mas que têm de pagar despesas que nunca foram acordadas, quando são obrigadas a se relacionar com vários clientes por noite ou quando não tem real percepção que vão ser traficadas e comercializadas como objectos, o consentimento propriamente dito não interessa e torna-se irrelevante uma vez que viola a liberdade e dignidade de um ser humano. O consentimento para a exploração não significa que a mulher não seja vítima de uma situação de exploração semelhante à escravatura. No entanto, as leis nacionais nem sempre são claras a este respeito e, a serem, nada garante que a sua aplicação efectiva por parte dos agentes da autoridade vá no sentido da aceitação desta noção de vítima.


Tipos de Vítimas (exploração sexual feminina)


Vítimas Raptadas (Total coerção aplicada)

Mulheres enganadas com promessas de emprego que não a prostituição (Saem do país, na maior parte, dos casos voluntariamente, mas são lhes aplicadas medidas de coerção no país de chegada).


Mulheres que sabem que vão trabalhar na indústria do sexo mas não na prostituição. (Níveis de engano menor, no entanto, estas mulheres continuaNegritom ser vítimas de fraude).


Mulheres que, antes da partida, sabem que vão trabalhar como prostitutas, mas que desconheciam até que ponto iam ser controladas, intimidadas, endividadas e exploradas. Este nível é tido como o menos gravoso. Assim, caímos no risco de obter uma hierarquia da definição de tráfico guiada por valores morais que se traduzem em barreiras legais entre as mulheres que merecem mais ou menos ajuda. Nunca esquecer que a liberdade destas mulheres é também posta em causa.

Definição de Traficante: pessoa responsável por, ou reconhecida por participar no tráfico de uma pessoa. Inclui recrutadores, agentes, proxenetas, proxenetas-namorados, empregadores ou proprietários de locais onde se exploram mulheres traficadas. Referimos esta definição por ser desconhecida para a maioria das pessoas. Por regra, associamos traficantes a desconhecidos que raptam mulheres, adolescentes, crianças ou homens para fins de exploração laboral ou sexual. No entanto, não podemos esquecer que no complexo processo do tráfico humano existem os proxenetas, pessoas intermediárias que lucram com a exploração, nem sempre de forma directa. Assim, os proxenetas podem ser namorados, maridos, protectores, gerentes de casas de prostituição entre outros.

TIP como um problema: O tráfico humano está em ascensão e constitui um dos crimes em crescimento rápido, bem como um dos mais rentáveis. É habitualmente caracterizado como a forma moderna de escravidão. As vítimas que se encontram enredadas na rede dos traficantes precisam de assistência e suportam. É crucial que os traficantes sejam trazidos à justiça de forma mais rápida e com bases mais consistentes.
Este crime é dos mais escandalosos actos contra os direitos humanos. Estima-se que, neste momento, 20 milhões de pessoas sejam escravizadas por redes de tráfico. Sabe-se que, em todo o mundo, 143 países estão envolvidos no tráfico humano. A maior parte das pessoas traficadas provem da Ásia. Por ano, estima-se que entre 700 mil a 2 milhões de pessoas sejam traficadas. Segundo o U.S Federal Bureau of Investigation este género de criminalidade gera por ano 9,5 mil milhões de dólares. Abrange uma diversidade de problemas e realidades como a migração, o crime organizado, a exploração sexual e laboral, as assimetrias endémicas entre os países mais desenvolvidos e mais carenciados, questões de género, direitos humanos, quebra de suportes familiares e comunitários, entre outros. O combate ao TIP passa não só pela vertente repressiva que obviamente norteada pela punição de traficantes, mas também por estratégias de prevenção, de apoio, de empowerment e inclusão das vítimas de tráfico. A inclusão e promoção dos direitos humanos, seja qual for o plano de intervenção, são fulcrais.


Porque se torna um negócio rentável? Tal como qualquer outro negócio existe uma procura e um abastecimento. A elevada procura é que torna este crime um dos mais rentáveis da História. O abastecimento corresponde às pessoas traficadas (homens, mulheres ou crianças). No lado da procura encontram-se empregadores abusivos e os exploradores sexuais. No entanto, esta distinção, como referimos, é uma visão simplista uma vez que não engloba as várias pessoas envolvidas em diferentes fases do processo de tráfico. Mas quem compra pessoas traficadas?
• Turistas sexuais (mulheres jovens e crianças, maioritariamente, são vendidas e mantidas em bordéis ou resorts para férias à disposição de turistas sexuais e de comercializadores de mulheres)
• Produtores de Pornografia (pornografia em geral e pornografia infantil, bem como prostituição)
• Clientes à procura de sexo (estes podem procurar apenas prostitutas, mas também noivas ou concubinas, ou seja, mulheres que vivam em união de facto com os compradores, muitas vezes, para fins de escravidão doméstica ou sexual). A escravisão doméstica é difícil de identificar pois ocorre em casas particulares, na maior parte dos casos.
• Empregadores de várias áreas à procura de mão-de-obra barata, tanto para propósitos industriais como domésticos. Estes procuram principalmente pessoas vulneráveis ou ilegais, uma vez que estas se tornam mais baratas. Na maior parte dos casos, os empregadores são dos sectores da construção, pescas, agricultura e minas.
• Criminosos (para venda de drogas, venda de dinheiro falsificado, mendicidade obrigada)



Quem são as pessoas traficadas? A maioria das pessoas traficadas são mulheres e crianças. As mulheres representam 80% das pessoas traficadas. Mas porquê que estas mulheres se “deixam” traficar? Apesar de qualquer pessoa no mundo poder vir a ser traficada existem grupos mais vulneráveis porque reuném determinadas características. A principal é a pobreza. Na maior parte das áreas de origem das pessoas traficadas, estas vivem com menos de um dólar por dia. A pobreza, o desemprego, a fome, a doença e a iliteracia provoca o crescimento generalizado e desenfreado do TIP. As promessas de casamento, emprego, educação e oportunidades de uma vida melhor pelas redes de tráfico são um chamariz, uma vez que estas pessoas desconhecem, por completo, o mundo em que se estão a inserir. Por tal, os jovens desesperados (na maior parte mulheres) sucumbem aos esquemas dos traficantes e são enviados/as para bordéis no Ocidente ou para cidades grandes ou para destinos turísticos. As mulheres e jovens adultos vêm estas falsas promessas como oportunidades para melhorar de vida e para dar melhores condições económicas para os seus pais e familiares, deixando os seus lares voluntariamente. As pessoas traficadas sabem muito pouco ou nada sobre o que é a indústria do tráfico humano. Elas sabem pouco ou nada sobre medidas anti-tráfico e não procuram aconselhamento jurídico. Quando se encontram a ser exploradas nada fazem por vários motivos:


• Servidão por dúvida: traficantes dizem que as vítimas têm de trabalhar para pagar dívidas que nunca foram discutidas (alojamento, comida, multas resultantes da violação das regras impostas por quem as explora), sendo que tem de trabalhar estas têm de pagar a totalidade da divida para recuperar a sua liberdade. As mulheres, no caso específico, podem ser multadas por não animarem os clientes, por se recusarem a determinadas práticas sexuais, por engordarem ou por não conseguirem manter o cliente a beber.

• Violência: os traficantes batem e violam as suas vítimas para as obrigarem a fazer o que eles desejam.

• Ameaças: ameaças de repetição de violência que já foi cometida, bem como violência contra os seus familiares.

• Chantagem: após as vítimas terem incorrido na prostituição ou na pornografia, os traficantes ameaçam contar aos seus familiares o que elas estão fazendo.




Em outros casos, são os próprios pais que são atraídos ou que pretendem vender os seus filhos, sem que a criança saiba que esta a ser comercializada. No Cambodja, pais vendem os seus filhos quando estes têm 5 ou 6 anos de idade por apenas 100 dólares. Na China, uma rapariga custa 70 dólares enquanto um rapaz custa 170 dólares. No entanto, existe casos extraordinários em que as pessoas empregadas, com elevados níveis de educação e oportunidades económicas podem ser enganadas e encurraladas pelas redes de tráfico humano. Por outro lado, muitas mulheres e crianças são também raptadas para posteriormente serem vendidas.
Por fim, é relevante referir que muitas vítimas de tráfico humano que sobrevivem tornam-se elas próprias em traficantes ou em vendedoras de escravas sexuais, como forma de conseguirem a sua liberdade ou como forma de fazer fortuna. Assim, muitas destas mulheres, voltam à sua terra de origem e recrutam mais mulheres através de uma história de vida aparentemente bem-sucedida. É consistente, argumentar, portanto, que não interessa o objecto do tráfico mas apenas dinheiro, oportunidades e mais negócio.




Porque razão são as mulheres um dos grupos mais vulneráveis? Obviamente a pobreza é um factor geral. No caso das mulheres este factor torna-se mais sensível. Porquê? O desemprego afecta em, primeiro lugar, as mulheres (por exemplo, na Ucrânia, em meados dos anos 90 ocorreu uma onda de despedimentos, sendo que 80% das pessoas despedidas eram mulheres); para a realização do mesmo trabalho, as mulheres recebem salários menores; são mais facilmente atingidas pelo trabalho precário; são as protagonistas do trabalho familiar não remunerado; com facilidade, são despedidas se engravidarem; as mulheres continuam a ser a base das redes sociais não estatais, tendo a seu cargo vários dependentes, sendo que não raras as vezes o divórcio significa para um homem o fim das obrigações financeiras para com os filhos. Por outro lado, há aspectos culturais relevantes para perceber esta maior incidência. As mulheres, em muitos países, principalmente de leste ou asiáticos, têm um papel paradoxal (apesar de secundarizadas e subordinadas, são responsáveis por encargos familiares), são vítimas de elevada violência e têm pouca participação no domínio público e político. Assim, várias mulheres quando decidem encetar lógicas migratórias tendem a seleccionar países com leis não discriminatórias, a liberdade e auto-determinação sexual divulgada nos países ocidentais pelos media é também decisiva. Não obstante, estas mulheres dão um peso fundamental a lógica consumista ocidental, bem como à percepção distorcida de acesso rápido a riqueza e sucesso. Esta situação laboral, social e política feminina precária, em conjunto com as crenças de sucesso, liberdade e riqueza ocidental assumem-se como condições favoráveis e bem manipuladas pelos traficantes. Outras mulheres, principalmente africanas são casadas ou separadas e tem como objectivo o sustento da família. Nos grupos étnicos em que a poligamia é comum, muitos homens não têm dinheiro para sustentar todas as famílias, entregando essa responsabilidade às mulheres. Se a família passa por dificuldades económicas a culpa de tal é imputada à mulher e não ao homem. Neste sentido, e sendo que a prostituição leva nestas sociedades à segregação, estas mulheres preferem se prostituir, quando o decidem, no estrangeiro. Por último, em períodos de guerra, as mulheres são mais vulneráveis. Durante estes, assiste-se ao desenvolvimento da prostituição e do entretenimento sexual junto das bases militares. A ideia dominante é que cabe aos homens combater na guerra, cabe às mulheres entretê-los. Outra ideia dominante, mesmo depois do fim do conflito, é que as mulheres podem ser vítimas de violência como forma de demonstração de superioridade feminina, como vingança, como humilhação para o inimigo, como atitude misógina e como premio para os vitoriosos. Por tal, muitas mulheres são traficadas para estas bases militares, mesmo de outros países, com o intuito de “diversificar” a oferta. Em altura de guerra, a exploração sexual é “normalizada”, sobretudo pela impunidade dos violadores decorrentes das razões políticas ou desordem social, apesar de a violação em contexto de guerra por militares ser um crime contra a humanidade. Após o conflito, as mulheres sobreviventes são sexualmente escravizadas e vendidas como despojos de guerra como forma de se obter algum lucro.



(baseado em: “Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual”, Centro de Estudos Sociais de Universidade de Coimbra
Human Trafficking and Development: The role of Microfinance”, Makonen Getu, 2006
http://www.mtvexit.org/)